sexta-feira, 7 de março de 2014

Saudades de um tempo que não vivi



Só lá por princípios da década de quarenta é que nos foi possível pôr em prática o plano de “saneamento” de nossas traduções. Contratamos vários tradutores com salário fixo. Nas salas da Editora tivemos excelentes profissionais: Leonel Vallandro, Juvenal Jacinto, o Dr. Herbert Caro (advogado natural de Berlim, mas que havia aprendido a escrever corretamente em português), Homero de Castro Jobim e vários outros.

O processo da tradução de uma obra tornou-se então algo de muito elaborado. Escolhido o livro a verter-se para o português, procurava-se o tradutor, de acordo com a especialidade linguística de cada um. Feita a escolha do tradutor, este fazia sem pressa o seu trabalho, tendo à sua disposição uma rica biblioteca em que havia vários dicionários e enciclopédias. (A gigantesca Espasa-Calpe, a famosa Britannica, a Italiana e várias alemãs, francesas, inglesas e americanas.) lembro-me de que em cima duma pequena mesa avultava o “Webster grande”, grossíssimo e que – não sei bem por quê – me lembrava um avantajado queijo suíço. Depois que o tradutor dava por terminado o seu trabalho, os respectivos originais eram entregues a um especialista da língua de que o livro fora traduzido, para que ele os confrontasse, linha por linha, com o original, procurando verificar a fidelidade da versão. Mas o processo não terminava aí. Havia uma terceira etapa, a em que um especialista examinava o estilo do livro, discutindo-o com o tradutor, cujo nome ia aparecer sozinho no pórtico do volume. Em caso de divergência havia uma arbitragem. Os livros estrangeiros publicados durante os quatro ou cinco anos em que esse esquema durou, são de excelente qualidade no que diz respeito à tradução. O nosso chefe maior, porém, ficava apavorado – e com razão! – quando examinava o custo de tradução de cada obra.


Érico Veríssimo, Um Certo Henrique Bertaso. Porto Alegre, Editora Globo, 1973, p. 50-51. Reeditado pela Companhia das Letras.

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