quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Aquilo que Deus nos dá


Em minha forma de pensar, a única coisa que me impede de tonar-me uma escritora regional é ser católica, e a única coisa que me impede de ser uma escritora católica (em sentido estreito) é ser sulista. Mas o elemento religioso é, em grande medida, ignorado.

Para Andrew Lytle, 15 de setembro de 1955.


A um professor de Notre Dame:

O silêncio da crítica católica com grande frequência é preferível a sua atenção. Sempre olho nas revistas católicas que minha mãe lê se meu livro foi resenhado e, quando percebo que não o foi, dou graças a Deus. Não deveria ser assim e, no meu caso, a ironia da recepção silenciosa de minha obra pelos católicos é o fato de que escrevo como escrevo justamente porque sou católica. Desconfio de que, se não fosse católica, não teria razão para escrever, nem para ver, nem mesmo para horrorizar-me ou para deleitar-me em algo. Nasci católica, na infância frequentei escolas católicas, nunca deixei nem desejei deixar a Igreja. Nunca tive a sensação de que ser católica é uma limitação à liberdade do escritor, mas o exato oposto. A Sra. [Caroline Gordon] Tate contou-me que, depois que se tornou católica, sente que podia usar os olhos e aceitar pela primeira vez aquilo que via; não tinha de criar um universo novo a cada livro, mas podia tomar aquele que já encontrara. Sinto que ser católica permitiu-me que economizasse milhares de anos de aprendizagem da arte da escrita... Não estou muito certa de que o papel do escritor católico é refletir algo além do que ele vê da melhor maneira possível; mas a questão do que é e do que não é um romance católico é algo que sempre evito. Por fim, escrevemos o que podemos, aquilo que Deus nos dá.

Para John Lynch, 6 de novembro de 1955.


Outro dia [minha mãe] perguntou-me por que não tento escrever algo de que as pessoas gostem em vez de escrever o tipo de coisas que escrevo. Achas, ela disse, que realmente estás fazendo bom uso do talento que Deus te deu quando não escreves algo de que muitas, MUITAS pessoas gostem? Isso sempre me deixa abalada e sem palavras, aumenta minha pressão arterial, etc. Tudo que posso dizer é – se necessário perguntar –: você nunca saberá.

Para Cecil Dawkins, 3 de abril de 1959.

Flannery O'Connor, Spiritual Writings. New York: Orbis Books, 2011, p. 126-27.

Nenhum comentário: